Proposta de “Plano Local Integrado para as Demências” apresentado pela Casa da Memória Viva ao Presidente da Câmara Municipal

Nesta quarta-feira, é altamente provável que mais de 55 milhões de pessoas que connosco partilham o Planeta tenham acordado sem saber que a Rainha Isabel II já não reina e que a Europa vive a maior ameaça à paz desde a 2.ª Guerra Mundial. Nem fazem ideia que hoje é o Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer

Talvez seja melhor assim. As más notícias puxam-nos para baixo, desestabilizam o nosso humor, fazem baixar os nossos níveis de atenção.

Porém, essas 55 milhões de pessoas, que levam a vida fortemente condicionada pela demência, merecem toda a nossa atenção. Todos os cuidados, todo o conforto. E dignidade.

Foi para sensibilizar decisores institucionais, líderes de opinião e diferentes comunidades que, desde 1994, há um dia no calendário dedicado à consciencialização de nós todos para a situação e os impactos do tipo mais frequente de demência: a doença de Alzheimer.

A Direção da Casa da Memória Viva entende que, à escala do concelho de Vila Nova de Famalicão, e apesar dos sinais muitos positivos e incentivadores que chegam de Riba de Ave, com o Centro de Investigação, Diagnóstico, Formação e Acompanhamento de Demências da Santa Casa da Misericórdia, é altura de os autarcas, as instituições do Terceiro Sector, as empresas e a rede de respostas sociais implantada no território priorizarem os nossos concidadãos com demência e os seus cuidadores e familiares.

É neste contexto que  a associação apresentou uma proposta ao Presidente da Câmara Municipal, Mário Passos para o desenho de um “Plano Local Integrado para as Demências”,  no passado dia 1 de junho, em audiência que solicitámos, no âmbito da auscultação prévia da comunidade famalicense à elaboração do Plano Estratégico do Município 2022-2030.

Assim, deste PLANO LOCAL INTEGRADO PARA AS DEMÊNCIAS consta uma necessidade para tornar Vila Nova de Famalicão uma Comunidade Saudável, Amigável e Compassiva com as pessoas com demência e os seus cuidadores e familiares

Com o mundo ainda mergulhado numa situação de crise sanitária e de incerteza quanto ao futuro da Humanidade, entretanto agravada pelos impactos negativos da invasão armada da Ucrânia pela Federação Russa, a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão convocou os famalicenses a contribuir para a elaboração do Plano Estratégico do Município 2022-2030.
A CASA DA MEMÓRIA VIVA – ASSOCIAÇÃO CÍVICA FAMALICENSE entendeu responder à chamada, dando corpo à sua missão estatutária e em nome do respeito, autonomia, dignidade e saúde dos nossos concidadãos com demência e respetivos familiares e cuidadores.
Este é o tempo certo para agir!
O Plano Estratégico que balizará a ação do Município até ao fim da corrente década deve incorporar uma resposta holística a um problema de saúde pública que afeta milhares de famalicenses e o seu núcleo familiar. O propósito primordial é, por isso, passarmos a ser uma Comunidade Saudável, Amigável e Compassiva com as pessoas com demência e os seus cuidadores e familiares.

Para tanto, o primeiro passo é agregar em torno deste propósito os decisores políticos municipais, os gestores das unidades de saúde (públicas, privadas e sociais) implantadas no nosso território, as empresas e as organizações do Terceiro Sector, o tecido associativo e a sociedade civil famalicense. É, além do mais, uma boa forma de assinalar entre nós a Década do Envelhecimento Saudável 2021-2030 das Nações Unidas e de Famalicão dar mais um passo decisivo na prossecução dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Importa, pois, apetrechar Vila Nova de Famalicão com um PLANO LOCAL INTEGRADO PARA AS DEMÊNCIAS.
É uma urgência que a demografia e o futuro colocam a um Município que no ano passado acolhia 133.574 habitantes e que tem no envelhecimento uma indisfarçável ameaça ao crescimento e competitividade da sua pujante economia.
Com efeito, segundo os resultados do último Censos realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, Famalicão tinha 26.293 cidadãos com 65 e mais anos a residir no concelho em 2021 – foi a única faixa etária em que ganhou população na última década (+ 42,5%).
Aquele que era, há 20 anos, um dos concelhos mais jovens do País inverteu a pirâmide demográfica e está confrontado, hoje, com o envelhecimento da sua população.
É uma mudança de paradigma que acompanha: a transformação profunda do nosso tecido industrial, cada vez mais exportador e capaz de inovar e de acrescentar valor aos seus produtos e o incremento dos níveis de escolaridade e de capacitação profissional da mão-de-obra existente no concelho.

É por isso que as empresas e as organizações do Terceiro Sector são tão importantes como a Câmara Municipal para o êxito de um plano de intervenção comunitário como aquele que aqui fica esboçado: uma economia local forte assegurará mais facilmente à comunidade os meios e recursos necessários para:
• Prevenir e eliminar os fatores de risco de demência;
• Reduzir as desigualdades no acesso a serviços de diagnóstico e a cuidados de saúde diferenciados das pessoas com demência;
• Combater o estigma e promover o crescimento inclusivo das atuais e futuras gerações de famalicenses;
• Priorizar a permanência no domicílio das pessoas com demência, nomeadamente em fase precoce de perda ou de leves transtornos cognitivos, em vez da institucionalização, apoiando as famílias, capacitando os cuidadores e trabalhando em parceria com instituições (assistenciais e não-assistenciais) e equipas de voluntários numa lógica intergeracional;
• Tornar o território – a começar pela cidade e respetiva malha urbana – num lugar seguro e amigável das pessoas com demência, com jardins, espaços de lazer e referências arquitetónicas que elas facilmente reconheçam e sejam fator de acrescida interação social; sem barreiras arquitetónicas e passeios desimpedidos; com passadeiras dedicadas a peões que não cruzem ciclovias e sejam acionáveis pela própria pessoa ou por quem a acompanha;
• Lançar um programa de ações pedagógicas de informação e consciencialização nas escolas do ensino básico do concelho que promovam a compreensão das nossas crianças e jovens sobre a demência e os tornem em agentes de combate ao estigma associado à doença cognitiva.
Hoje, quantos famalicenses vivem com demência?

Indagámos, por várias vezes e junto de diferentes fontes, e nunca obtivemos resposta. Provavelmente, ninguém saberá. Só os próprios e as respetivas famílias, que tantas das vezes sofrem em silêncio.
Mas, enquanto não se faz esse levantamento absolutamente imprescindível, façamos uma extrapolação. A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 55 milhões de pessoas (8,1% das mulheres e 5,4% dos homens com mais de 65 anos) vivem com demência atualmente. (Estes números são de setembro de 2021 e constam da versão mais recente do relatório global daquela organização sobre a Resposta da Saúde Pública à Demência)
Adaptando à realidade famalicense, somos levados a considerar, pois, que cerca de 935 concidadãos nossos padecem de uma doença do foro cognitivo, que lhes condiciona fortemente a vida.
A primeira tarefa é, por isso, saber quantos e quem são, onde, como e com quem vivem e, sobretudo, do que precisam os famalicenses com demência.
Só através desse estudo (confidencial, independente e com fins quer quantitativos quer qualitativos) se poderá articular uma resposta integrada a um problema com múltiplas dimensões. A Câmara, estamos em crer, está em boa situação para decidir como e quando o fazer. Esse será o ponto de partida de uma intervenção multidisciplinar, centrada na pessoa com demência, que deverá mobilizar diferentes agentes sociais e institucionais e contemplar ações como aquelas que a seguir ficam sinalizadas, articulando-se com a atividade corrente das organizações do Terceiro Sector no terreno, da oferta hospitalar e da ação social da Administração Municipal.

Mas, enquanto não se faz esse levantamento absolutamente imprescindível, façamos uma extrapolação. A Organização Mundial de Saúde estima que mais de 55 milhões de pessoas (8,1% das mulheres e 5,4% dos homens com mais de 65 anos) vivem com demência atualmente. (Estes números são de setembro de 2021 e constam da versão mais recente do relatório global daquela organização sobre a Resposta da Saúde Pública à Demência)
O primeiro passo que importa dar é envolver as farmácias e os farmacêuticos comunitários de todo o concelho de Vila Nova de Famalicão. São eles quem reconhecem mais facilmente as pessoas com demência e melhor conhecem os respetivos cuidadores e familiares – porque são eles quem, ao balcão da farmácia, recebem e tratam as receitas médicas de um tipo de doentes que, salvo pontualíssimas exceções, raramente dispensam o tratamento farmacológico.
A demência torna a pessoa dependente de um cuidador, que com o passar do tempo passa a desempenhar um papel central na vida da pessoa cuidada. Na maioria dos casos, o cuidador é um membro da família sem formação, treino ou conhecimento especializado, o que impacta sobremaneira na qualidade de vida de ambos e a nível financeiro e da própria saúde do cuidador, podendo gerar problemas cognitivos, acrescido isolamento social e solidão.
Daí que seja necessário envolver as farmácias comunitárias existentes no concelho numa parceria que passará por três fases:
1. Identificar as competências do farmacêutico comunitário na área das demências;
2. Identificar as necessidades da pessoa com demência, da sua família e dos seus cuidadores;
3. Passagem de informação sobre boas práticas recomendadas e um programa de “formação à medida” aos cuidadores identificados aquando da dispensa da medicação para a pessoa com demência. • Diagnóstico e acompanhamento em unidades de saúde
A prevenção do risco e a precocidade do diagnóstico são fatores determinantes em todas as doenças; mais ainda nas doenças incapacitantes do foro cognitivo.
Por isso, vemos toda a vantagem em que a Câmara Municipal de Famalicão harmonize a oferta do sistema de saúde existente no território para que os cidadãos com 65 e mais anos possam ter acesso atempado, e a custos reduzidos, aos meios de diagnóstico e despistagem das doenças do foro cognitivo, quando confrontados com o aumento de lapsos de memória ou com quaisquer outras alterações no seu raciocínio ou comportamento.
A Ação Social da Autarquia deverá passar a contemplar esta valência. Numa comunidade mais envelhecida e com mais pessoas com demência e dependentes dos cuidados de outra pessoa, o suporte especializado e a capacitação desse cuidador informal é um dever da Câmara e dos agentes da sociedade civil.
Justifica-se, por isso, o lançamento e operacionalização de um programa de formação e capacitação de cuidadores informais que lidam especificamente com pessoas com demência. Idealmente, deverão ser monitores profissionais médicos de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Interna, Enfermagem, Psicologia Clínica e Animação Sociocultural.
Pelos impactos que têm na qualidade de vida da pessoa cuidada, deverão ser abordadas matérias essencialmente práticas sobre sono, nutrição e hidratação, higiene pessoal, comportamento social, mobilidade, memória, organização e gestão da farmácia familiar, etc.
A realizar tendo em conta as experiências de IPSS e organizações do Terceiro Sector implantadas no concelho, os primeiros participantes deverão ser os cuidadores sinalizados pelos farmacêuticos das farmácias comunitárias existentes no nosso território. 

À medida que a formação e capacitação de cuidadores vá dando frutos, propõe-se a criação uma Bolsa de Cuidadores de Pessoas com Demência. Trata-se de um apoio social especializado que se traduz na prestação de cuidados gratuitos, por pessoas com perfil e qualificações adequadas, para permitir pausas e descanso ao cuidador da pessoa com demência, exclusivamente na função de cuidar.
A substituição temporária do cuidador deverá ser assegurada apenas durante o dia (8:00/20:00) até quatro horas semanais (quatro horas num único dia ou dois períodos de duas horas/dia).
O serviço será remunerado e prestado por empresa ou organizações do sector social certificadas existentes no concelho.

A estimulação cognitiva da pessoa com demência, nomeadamente na fase inicial da parte, pode determinar o ritmo de evolução da doença e a qualidade de vida da pessoa e descanso dos seus familiares.
Tanto quanto é do nosso conhecimento, a oferta existente no concelho a este nível é manifestamente insuficiente, nomeadamente em matéria de tratamentos não farmacológicos.
Propõe-se, por isso, que a Câmara, em parceria com as organizações de natureza assistencial com trabalho realizado nesta área, avalie a possibilidade de ser criado um serviço com profissionais qualificados, de natureza itinerante, que seja capaz de acrescentar competências à oferta atual de IPSS, Estruturas Residenciais para Idosos, Centros de Dia, etc. Em situações pontuais devidamente justificadas, tais serviços poderão ser prestados no lar da pessoa com demência.

Esse serviço compreenderá estimulações específicas, relacionadas com distúrbios da fala, incapacidade de reconhecer ou identificar objetos, capacidade de executar algumas atividades motoras, perturbação do funcionamento executivo e diminuição das competências sociais, entre outras. As atividades terminarão com uma sessão de relaxamento antes de a pessoa com demência regressar ao domicílio.

O isolamento e a solidão são dois dos maiores inimigos da pessoa com demência.
Com a pandemia, a situação agravou-se. A pouco e pouco, as pessoas vão voltando a fazer a sua vida “normal”, mas nem sempre isso acontece com as pessoas com demência.
A cidade de Vila Nova de Famalicão transfigurou-se nos anos da pandemia. As pessoas com demência, porém, deixaram de ter referências físicas que funcionavam como ignição da memória e as fazia querer sair de casa. Importa ter este aspeto presente, assim como ter jardins, passadeiras e passeios usáveis pelas pessoas com mobilidade reduzida. As pessoas com demências – muitas delas transportadas em cadeira de rodas – agradecem.
Por outro lado, Famalicão tem condições para criar um jardim terapêutico, replicando as boas experiências conhecidas em vários países da Europa. Para além de funcionar como um bom pretexto para as pessoas com demência saírem de casa – porque vão tratar ou conversar com a “sua” planta ou flor, a que adotaram ou apadrinharam – é uma excelente forma convivial de voltar a “puxar” por rezas e ladainhas, infusões e mezinhas, cantigas e estórias, vivenciando momentos de felicidade irrepetíveis e revisitando pedaços de vida prazerosos.

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