Paulo Cunha fecha ciclo, convicto de deixar um concelho melhor

Chegou à Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão apenas para viver a experiência de exercer o cargo de vereador, e acabou por ser o seu presidente ao longo dos últimos oitos anos.

Paulo Cunha, que se sabe já que não de recandidata para um terceiro mandato, assume-se satisfeito com o trabalho empreendido, quer no que toca às obras físicas, quer no que toca às medidas, porque todas são “instrumentos” ao serviço do mesmo desígnio, o da melhoraria a qualidade de vida da população do concelho.

Ao leme do município ao longo de oito anos de adversidades externas – a da crise financeira e a da actual crise de saúde pública -, assume que nem sempre teve do Estado o apoio que era devido, e lamenta não ter podido fazer mais pela melhoria dos cuidados de saúde. A descentralização de competências neste domínio, que defende desde 2015, nunca aconteceu e constata que ainda não é desta que acontecerá, porque o quadro legal que está para ser implementado faz dos municípios tarefeiros e não parte activa na definição de políticas públicas que se traduzam numa melhoria do serviço prestado.

 

 

O Povo Famalicense (PF) - Chegou à presidência da Câmara Municipal em 2013, depois de um mandato como vereador. Aspirava poder desempenhar este papel, ou a vida pública e política conduziram-no a esse resultado de forma natural?

Paulo Cunha (PC) – Eu não escondo que a minha chegada a vereador foi num contexto que eu não esperava. Fui desafiado, e quis viver essa experiência. Ao longo do tempo em que exerci os vários pelouros que me foram atribuídos, ganhei uma vontade de assumir o desafio de ser presidente de Câmara. No fundo a vontade ser presidente de Câmara de Famalicão nasceu ao longo do período em que fui vereador.

 

PF - A sua governação fica marcada por obras, mas também medidas, e as que saltam mais à vista são o Famalicão Made IN, o Famalicão Visão 25, o Famalicão Comunitário, o Há Cultura. Que impacto esperava que tivessem e tiveram de facto no território?

PC – Eu acho que estas são medidas muito relevantes, porque mudam a forma como as pessoas vivem, essencialmente. São aquelas que eu considero mais relevantes ao longo do meu percurso.

Há sempre uma tentação para nos perguntarem o que fizemos de mais importante, e está-se à espera que a nossa resposta seja o edifício “a”, “b” ou “c”. Não. As minhas respostas nunca são o edifício “a”, “b” ou “c” porque o que eu considero de facto mais importante para Famalicão é a forma como nós, autarcas, conseguimos tocar as pessoas e mudar as suas vivências. De facto, o que acabou de referir são alguns projectos, de entre vários, onde conseguimos mudar as vivências. O projecto “Casa Feliz” é outro, pela forma como apoia pessoas que estão em situação de dificuldade. As melhorias que trazemos à sua condição de habitação, o apoio ao arrendamento para que as pessoas não fiquem sem um local para habitar. Esta é uma de centenas de exemplos de medidas, propostas e projectos, com maior ou menor dimensão, que no dia a dia tocam a vida das pessoas. Essas são as grandes obras ao longo dos meus mandatos.

 

PF – No essencial, actuando em áreas diferentes, da economia à habitação ou à cultura, o intuito é sempre o mesmo: ter um impacto objectivo na vida real do cidadão…

PC – A chamada obra de fachada, o edifício onde se descerrou uma placa com o nome de quem a promoveu ou proporcionou, muitas vezes não muda a vida das pessoas. Há excepções. O Mercado Municipal é um exemplo de uma obra em que o mais importante para mim não é o edifício. É o que vai acontecer, é o que está a acontecer, é o que pode acontecer ali dentro, por força da dinâmica que o conceito de Mercado trará a Famalicão. É este o ângulo que considero mais importante para a obra pública.

 

PF – Na sequência do Mercado de que fala, os seus mandatos são também pontuados de obra física, em que essa é apenas um exemplo. Há ainda intervenções como a reabilitação do Teatro Narciso Ferreira ou a via ciclo-pedonal Famalicão-Póvoa, que há anos se arrastavam, e outras como a reabilitação urbana e as ciclovias em curso. São projectos que resultam de escolhas da sua governação. O que é que estas escolhas dizem do seu ciclo governativo?

PC – Desde as escolas à via ciclo-pedonal, ao Teatro Narciso Ferreira, em Riba de Ave, ao Mercado, ao arranjo urbanístico que está a acontecer na cidade, todas elas têm objectivos. São ferramentas ao serviço de propósitos. O propósito não é fazer a obra do Mercado, o propósito não é fazer a via ciclo-pedonal, o propósito não é reabilitar o Teatro. O propósito é, através dessas iniciativas e obras, à frente, conseguir resultados. Esse é o grande propósito.

Quando visitamos uma escola, ou inauguramos uma escola, quando visitamos como visitamos, na passada semana, a obra que se vai fazer na escola de Avidos, a razão de lá irmos não é ver o edifício. É perceber o que lá se vai fazer dentro, e o que é que aquele edifício pode trazer de diferente, para melhor, na vida das pessoas. De quem ensina, de quem aprende, e de toda a comunidade. É para aqui que canalizamos as nossas atenções.

Por isso, fico feliz por termos conseguido inúmeras intervenções a este nível, algumas delas antigas, como diz. É o caso da via ciclo-pedonal ou do Cineteatro. Há quantos anos se falava da reabilitação daquele troço que outrora foi linha férrea, com um canal fantástico? Há quantos anos se falava da reabilitação do Teatro Narciso Ferreira? Estas realizações só fazem sentido se trouxerem consigo mudança no dia a dia das pessoas. Qualquer uma dessas, e muitas outras, vão trazer consigo sinais positivos que vão favorecer as pessoas e aumentar a sua qualidade de vida.

 

PF – Todas elas são muito mais do que o resultado de curto prazo, que é a obra…

PC – Elas são ferramentas, são instrumentos. Não são fins em si mesmos. São instrumentos ao serviço de fins. Os fins nunca são as obras públicas, os fins são aquilo que as obras públicas proporcionam às pessoas.

 

«O Estado Português está a abandonar os territórios,

e abandonou Famalicão em serviços essenciais,

no caso da modernização administrativa com a Loja do Cidadão,

e no caso das acessibilidades com a reabilitação da EN 14.»

 

PF - Teve alguns processos difíceis para desbloquear, como a requalificação da EN 14 ou a Loja do Cidadão, onde a Câmara teve que se chegar à frente para garantir os investimentos. Alguma vez hesitou fazê-lo, atendendo que estamos a falar de investimentos da responsabilidade do Estado, ainda que o benefício ou prejuízo seja local?

PC – Nunca hesitei porque sei o quanto são necessárias para os famalicenses. E o que é importante para o meu concelho é aquilo que deve concentrar as minhas atenções.

Mas não ignoro que a minha chegada à Câmara Municipal coincidiu com uma mudança do paradigma. O paradigma habitual aponta para que as Câmaras Municipais peçam apoio ao Governo, e os Governos apoiem as Câmaras Municipais. Agora o paradigma mudou, as Câmaras Municipais é que apoiam o Governo.

No caso da Loja do Cidadão de Famalicão, obra que custa cerca de dois milhões de euros, não há um tostão, um cêntimo, um euro do Orçamento de Estado. É o município, com um montante de cerca de 300 mil euros de fundos comunitários, que suporta cerca de 80 por cento, ou mais, do investimento. Isto é inédito! Não haverá em Portugal nenhuma Loja do Cidadão que tenha um tão grande envolvimento financeiro do município como a de Famalicão. Eu pergunto: mas os serviços que lá são prestados são da Câmara? Não! É o Registo Civil, é o Registo Predial, é a Autoridade Tributária, é a Segurança Social, tudo serviços estatais. Não há nenhum serviço municipal a prestar nesta Loja do Cidadão. Mas porque é que a Câmara o faz? Porque está consciente de que, se não o fizer, ninguém o fará.

Chegamos ao apelidado estado de abandono. O Estado Português está a abandonar os territórios, e abandonou Famalicão em serviços essenciais, no caso da modernização administrativa com a Loja do Cidadão, e no caso das acessibilidades com a reabilitação da EN 14. Não fosse a Câmara Municipal ter-se chegado à frente, em sentido literal, e comparticipado a obra, alguma vez as obras teriam começado, como começaram, em Famalicão? Porque não começaram pela Trofa ou pela Maia? Porque a Câmara Municipal de Famalicão colocou em cima da mesa meios financeiros que permitiram que a obra avançasse mais rapidamente em Famalicão do que noutros territórios. Mas era suposto que fosse assim? Não. Era suposto que fosse ao contrário. Que a Câmara Municipal exigisse, reclamasse e que o Estado pagasse.

 

PF – Ou seja, não é justo para o município assumir estas responsabilidades, mas o município entende que também não é justo para os cidadãos sofrerem com essa ausência do Estado, é isso?

PC – Exactamente isso.

 

«Foram dois mandatos fustigados por crises

de âmbito nacional e internacional. (...)

Mas apesar desse contexto muito difícil conseguimos

resultados francamente positivos.»

 

PF - Os seus mandatos tiveram desafios relacionados com o impacto de uma bancarrota e, mais recentemente, de uma pandemia. Teve sempre as ferramentas de que precisou para procurar mitigar os efeitos no concelho, ou, como dizia há pouco, sentiu-se abandonado, considerando que são factores conjunturais que vão muito para além da esfera local?

PC – De facto, estes oitos anos em que fui presidente de Câmara aconteceram num contexto que eu acho que é inédito. Talvez nunca tenha acontecido, num ciclo de oito anos, duas crises tão severas, tão difíceis. Uma surpreendente, esta, pandémica; outra não tão surpreendente, porque resultou de uma má gestão do Orçamento nacional que, associada a uma crise financeira, levou Portugal a pedir ajuda internacional. Foram dois mandatos fustigados por crises de âmbito nacional e internacional. O ambiente externo ao exercício destes mandatos não podia ser pior. É impossível haver uma conjuntura externa pior do que esta.

O que é que permitiu que, apesar desse contexto muito difícil, tivéssemos conseguido resultados francamente positivos? Foi o grande envolvimento dos famalicenses. Eu tenho que deixar uma palavra de enorme gratidão aos cidadãos, às associações, aos empresários, a toda a comunidade famalicense, pela dedicação, pelo empenho, pelo esforço, e pela capacidade de superação. Se não fosse isso, em vez de hoje sermos um município conhecido por estar no top nacional em várias dimensões, teríamos retrocedido. Só crescemos, só ficamos mais vigorosos, mais fortes, mais capazes, porque do ponto de vista interno, da nossa massa, conseguimos contrapor esse ambiente externo adverso. Este contexto externo era no sentido do nosso retrocesso, da nossa perda de protagonismo, mas nós, internamente, conseguimos ganhar força e energia para que o resultado a que chegamos fosse se sentido oposto à conjuntura.

 

PF – Essa força e essa massa de que fala é sólida?

PC – É sólida, é consistente, e é-o cada vez mais. Tenho percebido que há um clima muito favorável à corresponsabilidade, à entreajuda, à união em torno de propósitos que sejam concelhios. O que é importante é que nós, que somos autarcas, inspiremos essa confiança, sejamos credíveis, estimulemos o envolvimento, estejamos abertos e haja transparência. É determinante que as pessoas percebam que o que fazemos é para o bem de Famalicão, que somos bem-intencionados, que somos corajosos, mas também generosos. É esse o lema autárquico que é preciso cultivar em Famalicão.

 

PF – Prestes a fechar um ciclo de oito anos, deixa alguma coisa por fazer, ou alcançou todos os objectivos a que se propôs?

PC – Se recuar oito anos, tenho que ser sincero, embora possa parecer imodesto, e dizer que fizemos muito mais do que aquilo que prevíamos fazer.

Em cada exercício orçamental, nós fazemos um saldo, entre o que propusemos e o que fizemos. Se é verdade que há pontos propostos que não foram executados, também é verdade que há pontos executados que não foram propostos. O saldo tem sido muito positivo, e o saldo destes oito anos é francamente positivo.

Há sempre sectores onde nós, se pudéssemos, tínhamos feito mais. Eu renovo o sector da saúde, e a pandemia só veio evidenciar isso. A saúde é um sector muito importante, cada vez mais, e eu há uns anos, salvo erro em 2015, tomei a iniciativa de defender a transferência para os municípios de responsabilidades nos cuidados de saúde primários. A iniciativa foi considera arrojada por uns, mas houve outros que questionavam como é que era possível, como é que uma Câmara Municipal iria assumir essas tarefas. Houve até um colega seu que me questionava se achava correcto que amanhã houvesse diferenças no território, do ponto de vista dos cuidados de saúde primários, que em Famalicão fosse desta forma e em Braga ou Guimarães de outra. Hoje toda a gente concorda com isso. Hoje é unânime, incluindo o próprio Governo, que os municípios devem assumir competências no âmbito dos cuidados de saúde primários. Para quê? Para que nós, localmente, possamos servir bem, a esse nível, a nossa comunidade.

Na altura não fomos ouvidos, e ao longo destes seis anos a ideia com que eu fico é que continuamos a não ser ouvidos, porque continuamos a não receber da parte do Estado Central a confiança e os meios necessários para que, localmente, possamos ajudar a nossa comunidade a ter acesso aos cuidados de saúde que são devidos. Esta é uma área onde eu gostaria de ter feito muito mais do que aquilo que fizemos.

«Tenho pena de não ter conseguido convencer os vários Governos

de que a transferência de competências efectivas na área da saúde,

com os municípios a contribuírem efectivamente para a melhoria

dos cuidados de saúde primários prestados às populações, é o caminho certo.»

 

PF – No seu entender, a proposta do Governo que está em cima da mesa não serve essa sua ambição?

PC – Não, não serve. O Governo trata-nos como tarefeiros, porque nos entrega um conjunto de tarefas, não competências. As Câmaras Municipais não estão preocupadas com as condições físicas dos edifícios. A nossa preocupação essencial é o que acontece dentro dos edifícios. São os cuidados de saúde que são prestados, e não se o vidro da janela ou a porta abrem ou não abrem, ou se a conta da água foi ou não foi paga. Eu espero que o Governo, este ou o próximo, não esperam que as Câmaras sejam úteis apenas a este nível, mas ao nível da definição das políticas públicas propriamente ditas. Na identificação dos horários de funcionamento dos Centros de Saúde, na gestão dos recursos de acordo com as necessidades das populações, de forma a que, localmente, possamos melhorar os serviços. Entregar-nos a higienização dos edifícios, suportar os encargos com o pessoal não clínico, e tratar da infraestrutura física não tem nada a ver com saúde. Isto não é ter competências em saúde. É muitíssimo curto o que está aí para ser aplicado.

 

PF – Tem pena sair sem a casa arrumada a este nível?

PC – Tenho pena de não ter conseguido convencer os vários Governos a nível nacional de que este é o caminho certo.

 

PF – Que marca quer deixar em Famalicão?

PC – Quero dar o meu modesto contributo para que os famalicenses se recordem de mim - dos doze anos em que fui autarca, oito como presidente -, como uma pessoa que ajudou Famalicão, e que deu um pouco de si para que o concelho seja melhor.

Eu tenho uma perspectiva intergeracional das actividades. Acho que cada pessoa deve deixar um pequeno pedaço de si, contribuir para o somatório e para que continuemos a crescer, não a regredir. Espero ser uma das pessoas, e foram muitas as outras, que ao longo das suas vidas abdicaram de muitas outras coisas, para que o concelho que os viu nascer, onde vivem e esperam continuar a viver, seja um concelho melhor.

 

 

 

 

 

 

 

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